Israel se consolida como um polo mundial de cibersegurança. |
Blog Feira Moderna - Celulares bloqueados à distância e só liberados depois do pagamento de uma determinada quantia. Quartos de bebê espionados através de babás eletrônicas controladas remotamente. Hotéis com as fechaduras eletrônicas das portas dos quartos inoperantes, e hóspedes impedidos de entrar ou sair. Cidades com abastecimento elétrico interrompido e milhares de habitantes sem luz e calefação durante horas. Países com resultados de eleições influenciados pelo vazamento seletivo de informações, com o objetivo de beneficiar candidatos específicos. Situações como estas estão atingindo, indiscriminadamente, o cidadão comum, estabelecimentos comerciais, plantas industriais e países inteiros com uma regularidade cada vez maior nos últimos anos. E o pior: a frequência com que ocorrem só tende a aumentar, assim como o poder de gerar prejuízos, seja no nível individual ou coletivo. Segundo dados da Microsoft, há dois ou três anos ocorriam cerca de 20 mil ataques cibernéticos por semana. Hoje, esse número chega a 700 mil.
A assustadora realidade é decorrente de um volume de atividades sem precedentes de hackers espalhados pelo mundo. Os perfis são os mais variados. Pode ser um profissional de TI insatisfeito com seu salário e que, em um expediente pessoal noturno, tenta levantar um troco com algum phishing bem-sucedido. Ou um grupo local ou multinacional de mercenários profissionais, organizado com metas de sucesso, horários e sistema de bônus. Talvez um lobo solitário querendo fazer a sua parte na revolução para mudar o mundo (seja lá o que isso signifique). Um gênio dos códigos apenas querendo “zoar na madruga” ou provar seus dotes cibernéticos para a namorada geek. Facções com convicções políticas interessadas em derrubar o inimigo. Ou funcionários de órgãos de inteligência de seus países. Infelizmente, a expansão de tecnologias em rede, que trazem grandes progressos para a humanidade, como computação em nuvem, internet das coisas e carros autônomos, acabam oferecendo mais oportunidades para ataques.
Não à toa, o segmento de segurança digital é um dos que mais cresce na indústria da tecnologia. E um pequeno país, menor do que o estado de Sergipe, já foi alçado ao posto de segunda maior potência do setor, se considerarmos o volume de investimento, número de startups envolvidas, portfólio de soluções, quantidade de pesquisas e centros de desenvolvimento, número de acadêmicos envolvidos e qualidade dos profissionais disponíveis. Israel apresenta números gigantes quando o assunto é cibersegurança. Mais de 20% do investimento global no setor é dirigido a empresas ou centros de pesquisa localizados no país, atraindo desde pesos pesados como Cisco e Microsoft a investidores individuais como o ator Ashton Kutcher. São por volta de 500 startups focadas exclusivamente em cibersegurança e que já respondem por cerca de US$ 4 bi das exportações do país.
Estive recentemente (Beto Largman) em Israel, a convite da Embaixada do país em Brasília, para conferir “in loco” o que está acontecendo por lá nessa área. A ocasião não poderia ser melhor: a visita aconteceu durante a semana do Cybertech, o segundo maior evento global do setor, realizado anualmente em Tel Aviv desde 2014. Mas afinal, o que faz de Israel um líder mundial quando o assunto é cibersegurança? As pessoas, empresas e instituições que conheci durante o período que estive lá ajudam a responder.
Nadav Zafrir + Team8
Embora seja um brigadeiro da reserva do exército, Nadav Zafrir pode ser tranquilamente confundido com um empresário do Vale do Silício: tem o physique du rôle, fala um inglês perfeito e apresenta seus projetos com entusiasmo e uma narrativa muito bem construída. É o CEO da Team8, companhia fundada por ele e outros sócios oriundos do exército, com o objetivo de funcionar como celeiro de startups focadas nos mais diversos aspectos da defesa cibernética. Microsoft, Qualcomm e Citigroup são alguns dos investidores da Team8 – com apenas dois anos de existência, a empresa já recebeu a injeção de 92 milhões de dólares. Zafrir tem a "credencial" mais importante para quem quer participar deste setor em Israel: é ex-integrante da famosa Unidade 8200, grupo de elite da Inteligência, responsável por todos os assuntos relacionados à coleta e análise de dados dentro das forças de defesa de Israel.
Ele fez parte da divisão por 25 anos, alcançando seu posto mais alto, até decidir sair para aplicar seus conhecimentos no setor privado. Conheci Zafrir em um encontro realizado na descolada sede da Team8, recém-inaugurada. Para Zafrir, a criação de uma área de inteligência militar forte quase concomitantemente com a fundação do país, em 1948, foi decisiva para Israel despontar como um polo de cibersegurança hoje. “As estratégias de defesa empregadas nas guerras do mundo real no passado são importantes ferramentas nos combates virtuais do presente e do futuro. Um dos pilares da nossa defesa é nosso contingente de reservistas, já que nossa população é muito menor do que a dos países que nos atacaram. Para vencermos as nossas guerras foi fundamental não somente antecipar a movimentação dos inimigos como ter a capacidade de, rapidamente, mobilizar essas pessoas. Não é um trabalho fácil, tanto na parte logística como na comunicação. Esse aprendizado foi extremamente importante”, explicou.
O processo de recrutamento dos jovens mais talentosos e promissores para a Unidade 8200 é outro fator importantíssimo, segundo Zafrir. O monitoramento começa quando esses jovens ainda estão no ensino médio, e o perfil desejado é o de pessoas que tenham a capacidade de aprender rápido e pensar criativamente, que saibam trabalhar em equipe e enfrentar problemas inesperados com soluções encontradas “fora da caixa”. “Se você escolhe os melhores candidatos, se os treina bem e lhes oferece o ambiente e as ferramentas para se desenvolverem, os frutos são maravilhosos", comenta Zafrir. A grande maioria dos jovens que ingressam na Unidade 8200, formada por milhares de integrantes, deixa o exército depois do período obrigatório. Ao saírem das forças armadas, esses profissionais altamente qualificados e talentosos têm algumas boas opções pela frente: um emprego em uma startup de cibersegurança, a possibilidade de aprofundar seus conhecimentos em universidades ou centros de pesquisa ou de fundar a própria empresa. Seja qual for o caminho escolhido, suas experiências e seu know how sobre guerra e inteligência cibernéticas acabam sendo absorvidos pelo setor privado.
Chemi Peres + Pitango
“No meu tempo, quando acabávamos de cumprir o período no exército, ficávamos meio perdidos, sem saber o que fazer da vida. Hoje, quando pergunto para os amigos do meu filho o que vão fazer depois do serviço militar, a resposta invariavelmente é: fundar uma startup e ficar rico”, comenta o simpático Chemi Peres. Filho do estadista Shimon Peres, Chemi é um dos maiores nomes do setor de startups e investimentos em empresas de tecnologia de Israel. Além do talento para descobrir e fomentar novos negócios, Chemi herdou do pai a atitude conciliadora. Ele é fundador e conselheiro do Pitango, o maior fundo de investimentos de capital de risco de Israel.
Em um bate-papo descontraído que aconteceu em um dos dias da Cybertech, Chemi disse que a própria maneira como o estado de Israel foi formado contribuiu para que fosse criada uma cultura propensa ao desenvolvimento tecnológico: "Israel é como uma startup: jovem e com inúmeros desafios para conseguir sobreviver. É formado por uma população de imigrantes que precisou começar tudo do zero. Nove entre dez israelenses são imigrantes ou filhos de imigrantes. E imigrantes são empreendedores por natureza, não podem ter aversão ao risco", comenta. O papel do estado como mola propulsora do desenvolvimento é outro fator determinante, segundo Peres. "O governo apoia fortemente a inovação, investindo em incubadoras e aceleradoras e criando um abiente saudável e convidativo a investimentos", resume.
Ofir Hason + CyberGym
A CyberGym é uma joint venture da consultoria CyberControl com a Israel Electric Corporation, a empresa de energia de Israel. Também foi criada por veteranos do serviço de inteligência de Israel e especialistas em segurança, entre eles, Ofir Hason. A ideia é oferecer aos seus clientes um programa de treinamento de seus funcionários contra ataques cibernéticos com uma dinâmica a mais realista possível. "Israel é o país mais atacado do mundo, e a IEC, a empresa civil mais atacada do país. Temos muita experiência em combates virtuais e pensamos que a melhor maneira de preparar outras empresas é recriar um ambiente de 'jogos de guerra' seguro para que os participantes possam praticar seus conhecimentos e aprender estratégias de defesa", explica Ofir.
Três times, separados em três casas localizadas na arena de treinamento da CyberGym, fazem exercícios simultaneamente. A equipe vermelha ataca enquanto a azul e a branca tentam se defender. Ao final das sessões de "combate", todos os dados são analisados em uma reunião com o objetivo de dar um feedback a todos envolvidos: a eficiência das estratégias usadas tanto no ataque quanto na defesa, o nível de estresse dos "jogadores" e a qualidade do trabalho em equipe são alguns dos parâmetros avaliados. "Essa vivência realista aumenta a capacidade de reação das pessoas. Quando o treinamento acaba, cada um dos participantes está muito mais alerta, seguro e capacitado para enfrentar os perigos reais onde trabalha, seja em instituições financeiras, governos ou empresas que atuam em funções críticas como na infraestrutura ou produção. "Todos têm de sair daqui aptos a 'esperar o inesperado', que é nosso mote", completa Hozan.
Benjamin Netanyahu + CyberSpark
“O mundo está mudando. Basta um clique e você pode colocar nações de joelhos". O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, faz questão de estar presente na abertura de toda edição da Cybertech. Basta vê-lo discursando de improviso para perceber que há um envolvimento não apenas pontual com assuntos ligados a tecnologia. Os esforços do governo israelense no sentido de apoiar o setor, em especial em cibersegurança, estão permitindo que iniciativas como a construção do polo CyberSpark sejam bem-sucedidas.
O CyberSpark está localizado na cidade de Beersheva, no meio do deserto do Negev, e vai concentrar os maiores talentos do setor privado, do exército e da academia. É um ecossistema ideal, que mistura, em uma pequena cidade, alunos, professores e pesquisadores da Universidade Ben Gurion, reconhecida pela excelência de seu departamento de ciência da computação, funcionários de multinacionais como Cisco, Lockheed Martin, EMC, IBM e Oracle, jovens empresários de startups, sócios do JVP, o maior fundo de investimento de Israel, além de unidades de inteligência do exército e civil como a 8200 e o National Cyber Bureau, que estão migrando da região de Tel Aviv para lá. Tudo leva a crer que Beersheva está despontando como a capital cyber do mundo.