Trabalhadores, empresas e academia debatem regulamentação de TI em seminário. |
A regulamentação da profissão de TI, tema que vem sendo discutido pela categoria há anos, foi alvo de uma ação inédita. Pela primeira vez, trabalhadores, representantes de entidades empresariais do setor de tecnologia e acadêmicos se reuniram para debater em um mesmo evento os prós e contras da regulamentação.
Durante dois dias, nas últimas quinta e sexta-feira, foram apresentadas as diferentes opiniões sobre o assunto no Seminário de Regulamentação da Profissão de TI, promovido em São Paulo pelo Sindpd, o maior sindicato de trabalhadores de tecnologia da informação da América Latina.
O resultado desse debate democrático vai ajudar o Sindicato a definir os próximos passos em busca da regulamentação. “Temos agora um caldo de informações importante para ser utilizado. O seminário foi profundamente interessante e nos ajudou a construir uma boa visão sobre o tema”, disse o presidente do Sindpd, Antonio Neto.
O dirigente abriu a discussão, na quinta-feira (13), com uma defesa da regulamentação. De acordo com Neto, a normatização do setor, além de criar um estatuto legal para a profissão e estabelecer as competências e habilidades que o profissional deve ter, promoverá a valorização do trabalhador e o reconhecimento social e jurídico da categoria.
O presidente do Sindpd lembrou que a falta de regulamentação abre espaço para empresas predadoras, que disseminam a pejotização e a precarização do trabalho de TI. Para ele, a normatização da categoria também poderá colaborar no combate ao atual déficit de profissionais que o setor de TI enfrenta.
Antonio Neto - Sindpd-SP. |
“Embora se anuncie constantemente que o setor tem vagas, está diminuindo o número de estudantes nos cursos de TI. Isso se dá porque o profissional estuda quatro anos, precisa ter diversas certificações, um segundo idioma, manter-se atualizado, e tudo isso para ganhar pouco, ter problemas de saúde e não ser valorizado. Regulamentar é dar ao profissional o respeito, a dignidade e a garantia de seus direitos”, completou Neto.
Acadêmicos favoráveis
Especialistas no setor de TI e com amplo conhecimento do mercado de trabalho, os professores Sidnei Feliciano, mestre em ciências da computação (UFSC) e doutor em administração (UFRGS), e Flávio Morgado, do curso de sistemas de informação da PUC-SP, defenderam a necessidade da regulamentação.
Para ambos, além de valorizar o trabalhador do setor, a normatização da categoria ampliaria a proteção da própria sociedade. Os dois lembraram que a atividade de TI tem características que podem representar riscos à coletividade, já que sistemas desenvolvidos pelos profissionais estão hoje em áreas sensíveis, de carros autônomos (sem motoristas) a redes de gerenciamento hospitalar.
“As pessoas acham que desenvolver sistemas – não apenas softwares, mas hardware, telemática, robótica – é algo muito trivial. Não é uma atividade trivial, é um trabalho que diz respeito a questões relacionadas à vida", salientou Feliciano. “Trabalhamos com uma atividade que exige responsabilidade e precisamos afirmar que estamos dispostos a assumir essa responsabilidade”, disse.
O professor também rebateu o argumento de que a normatização ampliaria o custo das companhias de TI e, com isso, causaria uma fuga de empresas para países vizinhos. “A regulamentação vai exigir uma qualificação melhor do trabalhador e, com isso, uma capacidade de oferecer ao mercado produtos com maior qualidade”, analisou Feliciano.
Brasscom quer autorregulamentação
Participando do segundo dia de debates, na sexta-feira (14), o diretor-executivo da Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), Sérgio Paulo Gallindo, se posicionou contra a regulamentação da profissão por meio de uma lei específica ou conselho. Ele defendeu a autorregulamentação do setor e disse que acordos e convenções coletivas que já existem hoje devem ser respeitados como uma forma de normatizar a profissão.
“A relação do trabalho pode e deve explorar os acordos de convenção coletiva como a base de sua autorregulamentaçao”, afirmou Gallindo. O executivo disse que as expectativas atuais e futuras do trabalhador de TI envolvem autonomia, jornadas flexíveis, mobilidade e meritocracia. Para ele, a regulamentação iria na contramão desse cenário.
Representando outra entidade empresarial da área, Manoel Antonio dos Santos, diretor jurídico da Abes (Associação Brasileira das Empresas de Softwares), apoiou a necessidade de ampliar o debate sobre a regulamentação para que haja um consenso entre os diferentes lados.
O dirigente, no entanto, criticou o projeto apoiado pela SBC (Sociedade Brasileira de Computação), que defende a liberdade de exercício na área de informática sem a exigência de inscrição ou registro em conselho. Para o diretor jurídico, o projeto é contraditório. “É uma contradição dizer que é livre, mas desde que observados certos requisitos”, argumentou. Convidada, a SBC não enviou representantes ao seminário.
Profissional sob estresse
Com uma visão mais aprofundada sobre a saúde e o bem-estar do trabalhador de TI, a psicóloga e professora Denise Quaresma apresentou detalhes de uma pesquisa relacionada ao estresse no setor.
Para ela, inexiste hoje uma preocupação com a saúde mental dos profissionais de TI dentro das empresas, o que também é um argumento importante para que o trabalho seja regulamentado. “Temos que regularizar essas questões em nível político. Por isso digo que urge a regulamentação da profissão para reconhecimento dos trabalhadores e da categoria", declarou.
O Seminário de Regulamentação da Profissão de TI foi transmitido ao vivo pela internet. A plataforma obteve um total de 105.113 visualizações nos dois dias de debates e permitiu que os trabalhadores fizessem perguntas em tempo real aos palestrantes.
O evento também foi acompanhado presencialmente por trabalhadores e dirigentes dos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso, Rondônia, Bahia e Rio Grande do Norte.
A cobertura completa está no site do Sindpd, no endereço www.sindpd.org.br