Cientista da Computação fala do impacto da programação da sociedade moderna. |
Conte algo que não sei.
Em fevereiro, passei dez dias na Namíbia ministrando um curso de programação de sites a 40 mulheres. Nenhuma delas era da área de exatas, e várias não tinham computador. Uma das alunas era ativista social e desejava criar um blog para atingir universitários com a causa feminista. Outra, do terceiro ano de Medicina, foi finalista do Miss Namíbia. Havia biólogas e gente sem qualquer relação com a universidade. Muita gente está tentando aprender a programar para fazer as coisas andarem. Antigamente, era coisa de nerd!
Por que há esse interesse?
A programação está no dia a dia por causa de redes sociais e aplicativos. Quer queira ou não, você interage com ela. É necessária para entender o universo ao redor.
Como a programação pode ser usada pela sociedade fora do limite da ciência?
Programar significa ter acesso à informação. Eu sei quantas são, inclusive com seus endereços exatos, as escolas brasileiras sem acesso à água, luz ou esgoto. São 968. Eu sei disso graças a apenas 11 linhas de código Python (uma linguagem de programação), que me permitem acessar os dados do Inep e fazer cruzamentos com esses critérios. Isso é um dado relevante para a sociedade.
Programação deve ser ensinada na escola?
A criança muito pequena ainda não tem habilidade suficiente para abstração. A criança precisa estar aberta àquilo que é indeterminado. A arte, a música, o amor... São coisas que você não programa. Até certa idade, o determinismo é muito perigoso. É limitador. Na Inglaterra, já é previsto o ensino de duas linguagens de programação no ensino médio. Isso é interessante.
Dê um exemplo prático sobre como entender a linguagem dos softwares é útil a todos.
O pessoal pode ficar mais esperto. Quando vou comprar passagem aérea, entro sempre no modo de navegação anônimo. Se não, a passagem fica mais cara, pois a empresa sabe que você está interessado naquela passagem com base em seu histórico. Isso é uma lógica de programação que o usuário pode ter para não ser burlado pelo sistema.
Cite um modelo de aplicação de forte impacto social.
Um aplicativo do Unicef implantado em Uganda, o U-Report. Lá, praticamente, não há acesso a smartphones. Então, inventaram um sistema de mensagem de texto do qual participam 135 mil voluntários, a maioria adolescentes que querem a ajudar a sociedade. O sistema manda um SMS perguntando, por exemplo: “Tem algum médico atendendo a caso de ebola na sua aldeia?”. Os usuários só precisam responder “1” para sim ou “2” para não. O sistema triangula as torres de celular para encontrar a localização exata da pessoa e faz um mapa planejar a logística de atendimento aos doentes. Isso tem sido muito usado, por exemplo, em casos de mutilação genital. Uma aluna minha participou do programa, e minha sugestão é que esse sistema seja reaproveitado no Brasil.
Empresas como Facebook e Google são cada vez mais criticadas pelo poder que seus algoritmos exercem na sociedade. Isso o preocupa?
Ou você programa ou você é programado. Esses caras estão começando a ter muito poder, e utilizam nossos dados para vender anúncio. Isso não é bom, de certa forma, porque você é vigiado. É um Grande Irmão. Mas esse é o lado negativo da tecnologia. Há muitos lados positivos.
Fonte: O Globo.
Fonte: O Globo.