Os benefícios do ensino de linguagem de programação no currículo regular. |
Até a década de 80, os computadores eram
máquinas de uso corporativo e por isso, a programação de sistemas e
aplicativos voltavam-se mais às necessidades corporativas e
profissionais. O computador e os seus aplicativos não estavam presentes
no cotidiano das pessoas.
Essa realidade sofreu uma drástica mudança a
partir da década de 80, com o surgimento e a popularização dos
computadores pessoais (PC). E aprofundou-se ainda mais com os
smartphones e demais equipamentos tecnológicos (tablets, notebooks,
etc.). Atualmente, vivemos em um mundo onde a tecnologia permeia o nosso
cotidiano. Onde praticamente toda pessoa, mesmo com uma renda familiar
mínima, possui um smartphone, que no fundo nada mais é do que um
computador com capacidade de telefonia. Uma maioria expressiva da
população está conectada nessa imensa rede mundial chamada internet,
onde armazenamos e publicamos grande parte do que produzimos,
observamos, conhecemos, sentimos e pensamos.
Com isso, torna-se cada vez mais
necessária a criação de aplicativos que atendam as necessidades e as
expectativas dos mais diversos aspectos da nossa vida profissional e,
principalmente, pessoal. Além disso, com o aumento da capacidade
computacional, tornou-se possível criar aplicativos antes inimagináveis.
Hoje, um simples smartphone possui uma capacidade de processamento
milhares de vezes maior do que os primeiros computadores da década de
40, como o ENIAC, e mesmo os da década de 70, como o computador de
navegação da Apollo 11, responsável pela façanha de levar o homem à
Lua.
Nessa nova realidade, começamos a nos
atentar para o elo humano dessa cadeia, que geralmente passava
despercebido: os programadores! Sem eles, os smartphones e tablets não
têm utilidade. São os programadores que codificam e produzem os sistemas
e os aplicativos que utilizamos diariamente e que se tornaram
imprescindíveis em nossas vidas.
Com as novas tecnologias, a necessidade de
programadores tornou-se maior e a possibilidade de criar novos
aplicativos também. Não há como falar em desenvolvimento tecnológico e
econômico de uma nação sem abordar a criação de uma força de trabalho
dedicada à programação. Mas como suprir essa demanda? É preciso ser
gênio para aprender programação de computadores e entrar no maravilhoso
mundo da criação de aplicativos, seja como profissional ou simplesmente
como um hobby, um passatempo, uma atividade secundária?
Aqui vai uma boa notícia: para aprender
programação, seja qual for a linguagem, não é necessário ser um gênio ou
ter uma inteligência acima da média. Basta ter vontade de aprender,
dedicação, persistência e desenvolver o mínimo de raciocínio lógico, que
é a capacidade de pensar de forma estruturada diante de um problema ou
situação, reduzindo-o a situações menores que se encadeiam numa
sequência lógica e coerente. Aliás, aprender programação estimula o
desenvolvimento do raciocínio lógico, aprimorando a nossa capacidade
de resolver problemas.
Quais são os benefícios do aprendizado de
uma linguagem de programação? Além do desenvolvimento do raciocínio
lógico, a programação ensina fortes noções de causalidade (causa e
efeito), uma vez que toda instrução em um programa se traduz em um
resultado imediato e que impacta a sequência das próximas ações e o
resultado final, e desenvolve a capacidade de concentração. Programar um
aplicativo ou um sistema exige foco, disciplina, capacidade de análise
da situação e desenvolvimento de soluções, criatividade e capacidade de
antever as consequências lógicas das instruções que estão sendo dadas ao
computador. Portanto, mesmo que o estudante não se torne um
profissional da área de tecnologia, ele será beneficiado pelo
desenvolvimento do raciocínio lógico e das demais habilidades citadas
nesse parágrafo, entre tantas outras. Dessa forma, se tornará um cidadão
mais consciente e preparado para os desafios, os problemas e a
complexidade do mundo atual.
Muitos especialistas, inclusive, equiparam o
conhecimento de uma linguagem de programação à habilidade de
comunicação em outros idiomas. Quem aprende outro idioma amplia a sua
capacidade de comunicação e a sua visão de mundo, pois consegue ter
contato com culturas, valores, formas de pensar e cenários diferentes.
Da mesma forma, o aprendizado e a utilização de uma linguagem de
programação permite-nos entender o funcionamento do computador e das
tecnologias em geral, fazendo com que a sua utilização seja natural e
que consigamos extrair o máximo do seu potencial e dos seus benefícios.
Para muitos educadores, a programação será uma das habilidades mais
importantes do futuro, equiparando-se em importância e utilidade ao
aprendizado dos idiomas (inglês, espanhol, alemão, italiano, etc.), e um
fator de diferenciação profissional e acadêmica.
Há um intenso debate nos meios educacionais
dos Estados Unidos se o ensino da programação deve ser considerado uma
nova alfabetização para as crianças. O governo americano, de forma
oficial[5], está estimulando fortemente o ensino de tecnologia para os
estudantes. O objetivo não é apenas permitir que os estudantes
desenvolvam as habilidades descritas nesse artigo, mas também suprir a
demanda de programadores no mercado de trabalho americano. Os
americanos, melhores do que ninguém, compreenderam a importância da
tecnologia para o crescimento econômico, cultural, social e intelectual
do país. No mundo todo faltam profissionais de tecnologia. E o Brasil
não é uma exceção. Pena que ainda estamos tão atrasados nessa
discussão, pois o governo brasileiro, em todas as suas esferas
(municipal, estadual e federal), não consegue fazer nem o básico em
matéria de educação. Temos uma das piores posições no Pisa[8] (Programme
for International Student Assessment – Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes), uma iniciativa da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico) de avaliação comparada do
conhecimento de jovens do ensino médio, na faixa de 15 anos, em leitura,
matemática e ciências.
Ora, com a falta de profissionais de
tecnologia e a programação sendo uma disciplina tão facilmente
ensinável, por que não incluí-la no currículo regular do ensino médio ou
mesmo no fundamental? Esta questão e as suas reflexões parecem escapar
aos educadores e formuladores de políticas educacionais do Brasil. Não
há nenhuma atitude concreta nessa direção, nem mesmo um projeto piloto
para testar e mensurar os resultados na prática, salvo pequenas
iniciativas no ensino particular, que mesmo assim muitas vezes tratam o
ensino de programação e tecnologia em geral mais como um diferencial
mercadológico do que propriamente uma disciplina fundamental para o
desenvolvimento das capacidades cognitivas e das habilidades das
crianças e adolescentes. Não estamos falando de ensinar apenas a
informática básica, que querendo ou não, todos acabarão usando, mas de
produzir conteúdo tecnológico e conhecimento para uso em todas as áreas
da vida.
Ensinar programação nas fases iniciais de
formação ajudará o desenvolvimento das crianças e adolescentes,
aumentará a empregabilidade delas, ou seja, dará mais condições para que
elas se insiram no mercado de trabalho, e estimulará o preenchimento
das vagas no setor de tecnologia, criando uma força profissional
altamente qualificada que permitirá o desenvolvimento tecnológico,
econômico e social do Brasil.
Enquanto o poder público dorme em sua
letargia e inércia, as organizações do terceiro setor podem ter um papel
importante no preenchimento dessa falha no currículo do ensino público e
no aumento da empregabilidade dos jovens[9]/[10]. Existem
organizações que ensinam tecnologia aos seus beneficiados, tornando-os
mais aptos para ingressar no mercado de trabalho, não somente na área de
tecnologia, mas em outros empregos e áreas, onde com certeza precisarão
usar os computadores e a internet. Além disso, disseminando os
conhecimentos de tecnologia, ajudam a diminuir a distância de
conhecimento e oportunidades existente entre os jovens das diversas
faixas de renda familiar, permitindo a construção de uma sociedade mais
justa e equilibrada por meio da educação, e não apenas por meio de
iniciativas de transferência direta de renda. Esta, para o país e os
seus habitantes, é uma solução paliativa, enquanto a educação é a
solução definitiva e permanente.
Se você, caro leitor, tem influência ou voz
em instituições de ensino públicas ou particular, seja como
administrador, funcionário ou cliente, pense bastante a respeito desse
assunto. Além de exigir qualidade no ensino regular, considere a
possibilidade de exigir o ensino de programação como parte do currículo
básico regular. Se não tem, além de continuar exigindo qualidade no
ensino regular das escolas públicas e privadas, considere ajudar uma
organização do terceiro setor que ensine programação aos seus
beneficiados. As crianças e o país agradecem.
Fonte: Administradores