Cientistas da Computação desenvolvem algoritmos que detectam Malária e Tuberculose. |
Com o objetivo de facilitar o diagnóstico de malária em áreas remotas
do globo, está sendo desenvolvido por pesquisadores da Biblioteca
Nacional de Medicina dos Estados Unidos um aplicativo para smartphones
que utiliza um sistema automatizado para detecção e contagem de
parasitas da doença.
A tecnologia foi apresentada no IEEE International Symposium on Computer-Based Medical Systems
(CBMS), realizado, com apoio da FAPESP, de 22 a 25 de junho no
Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), em São Carlos,
e na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), ambos da
Universidade de São Paulo (USP).
“A malária é uma doença curável,
mas diagnósticos inadequados e a resistência às drogas emergentes ainda
são barreiras para a redução da mortalidade. É preciso desenvolver
vacinas e controlar o mosquito transmissor, entre outras medidas, mas o
desenvolvimento de um teste para diagnóstico rápido e confiável é uma
das formas mais promissoras de combate à doença”, explicou Sameer
Antani, da Biblioteca Nacional de Medicina, ligada aos National
Institutes of Health (NIH). Para isso, disse o pesquisador, foi necessária interação entre profissionais da saúde, cientistas da computação e engenheiros.
“Foi
do diálogo entre as necessidades clínicas do cuidado com a saúde da
população no campo e engenheiros e pesquisadores de áreas ligadas à
computação que surgiu essa nova abordagem de combate à malária,
desenvolvida para atender à demanda urgente pelo controle da doença, mas
de forma adaptada à realidade do trabalho em áreas com necessidades
muito particulares”, contou. Agma Traina, do ICMC e da coordenação
do CBMS, destacou que essa interação tem gerado contribuições para a
prática médica, mas que é preciso promover mais diálogo.
“A
programação do CBMS buscou abordar diferentes formas de integração entre
a computação e a medicina em benefício da população, duas áreas que já
dialogam, a exemplo das muitas pesquisas e tecnologias apresentadas ao
longo do evento, mas que precisam interagir cada vez mais. De um lado,
cientistas da computação e matemáticos precisam conhecer e compreender
as necessidades dos profissionais da saúde no diagnóstico e no
tratamento de doenças; do outro, os médicos e pesquisadores da área
precisam visualizar o potencial que a computação tem de auxiliar na sua
atuação.”
Para automatizar a detecção e contagem de parasitas da
malária, relatou Antani, o projeto contou com o apoio do Departamento de
Saúde e Serviços Humanos do país e com uma parceria de pesquisa entre a
Mahidol University, da Tailândia, e a Oxford University, do Reino
Unido, que juntas criaram a Mahidol Oxford Tropical Medicine Research
Unit.
“Cuidado: parasita!”
A malária é causada pelo
parasita unicelular protozoário Plasmodium, transmitido pela picada da
fêmea infectada do mosquito Anopheles. O diagnóstico da doença é feito
com a ajuda de exames microscópicos, que possibilitam identificar os
parasitas em amostras de sangue.
De acordo com Antani, mais de 170
milhões de filmes de sangue são examinados a cada ano com esse fim e a
contagem dos parasitas para definir se os casos diagnosticados são
graves ou não complicados, seguindo a classificação da Organização
Mundial de Saúde (OMS), geralmente é manual.
“A contagem precisa
desses parasitas é fundamental para o diagnóstico correto da doença e
para o sucesso do tratamento, influenciando, por exemplo, na eficácia
das drogas. No entanto, os diagnósticos microscópicos não são
padronizados e dependem muito da experiência e da habilidade do
microscopista”, avaliou.
Para o pesquisador, isso dificulta o
diagnóstico e o controle da malária em locais com poucos recursos e com
alta incidência da doença. “Essa dificuldade pode levar a decisões
equivocadas no tratamento. Nos casos de falso negativo, além dos danos
óbvios à saúde do indivíduo infectado, isso significa a necessidade de
uma nova consulta, dias perdidos de trabalho, recursos gastos
desnecessariamente. Já nos casos de falso positivo, o diagnóstico pode
levar ao uso desnecessário de medicamentos e a sofrimento por conta de
uma série de potenciais efeitos colaterais, como náusea, dores
abdominais, diarreia e complicações graves”, ponderou.
A solução
desenvolvida pelos pesquisadores automatiza a detecção do parasita e sua
contagem a partir de esfregaços de sangue, uma camada fina de sangue
disposta sobre uma lâmina de microscopia e que é colorida de forma a
permitir que diferentes células sejam examinadas.
Antani explicou que a contagem automatizada dos parasitas tem uma série de vantagens se comparada ao método convencional. “Além
de fornecer uma interpretação mais segura, essa automatização reduz
custos e possibilita que mais pacientes sejam atendidos em menos tempo,
facilitando o trabalho em campo nas áreas de maior incidência da
doença.”
O sistema funciona por meio de métodos de aprendizagem de
máquina, campo da inteligência artificial que desenvolve algoritmos e
técnicas que permitem ao computador apreender determinados padrões para
aperfeiçoar seu desempenho em tarefas específicas. Com base em
padrões de imagens digitais adquiridas por equipamentos de microscopia
de luz convencionais, o software “aprende” a aparência típica dos
parasitas e os identifica em fotografias dos esfregaços de sangue,
realizando em seguida sua contagem e discriminando as células
infectadas. Aplicada a smartphones, a tecnologia se torna portátil
e pode ser levada a campo. Para Antani, o desenvolvimento do sistema
pode beneficiar populações de diferentes nações que ainda sofrem com a
malária, como o Brasil. “A malária mata mais de 600 mil pessoas
por ano, a maioria na África, onde uma criança morre a cada minuto
vitimada pela doença. Muitas que sobrevivem acabam sendo acometidas por
deficiências neurológicas. Mas a malária é um problema global: são cerca
de 200 milhões de casos em todo o mundo, incluindo o Brasil. O
desenvolvimento de uma tecnologia portátil de baixo custo e alta
precisão para diagnóstico da doença tem grande potencial para auxiliar
no combate à doença e nos esforços pela sua erradicação.”
De
acordo com a OMS, o Brasil reduziu em 75% o número de infecções em
território nacional desde 2000, mas a incidência da doença ainda é alta,
especialmente na Amazônia: em 2013 o país teve 177.767 casos
diagnosticados e 41 óbitos foram registrados.
Tuberculose
Antani
também falou no CBMS do desenvolvimento de algoritmos avançados para
detectar automaticamente sinais de tuberculose pulmonar e outras doenças
em radiografias de tórax, a fim de simplificar o procedimento e levá-lo
a áreas remotas do planeta onde há escassez de radiologistas. Esses
algoritmos são aplicados a unidades móveis de raio X, facilmente
transportáveis a zonas rurais. O projeto piloto dos pesquisadores atua
em regiões da África em que há prevalência de infecções pulmonares em
pacientes portadores do vírus HIV, especialmente no Quênia. “Quando
o sistema recebe uma radiografia do tórax, avalia segmentos de regiões
do pulmão por meio de um método de otimização baseada em corte gráfico.
Esse método combina as informações da radiografia com atlas pulmonares
personalizados derivados de modelos que foram utilizados para treinar o
sistema em um conjunto de características de textura e forma, que
permitem que a radiografia possa ser classificada como normal ou anormal
usando um classificador binário”, explicou. Segundo Antani, o
sistema de diagnóstico auxiliado por computador proposto tem desempenho
que se aproxima ao de especialistas humanos e pode ajudar no combate à
tuberculose em áreas remotas. “Comparando o desempenho do sistema
ao de radiologistas, a precisão do diagnóstico automatizado foi de 84%, o
que representa uma grande esperança para populações que não contam com
acesso fácil a esses profissionais e que são vitimadas pela tuberculose.
Quando a doença não é diagnosticada e, por consequência, o paciente não
é tratado, as taxas de mortalidade são elevadas”, disse.