Gabriel Leydon. |
Via: Infomoney: Para Gabriel Leydon, o confronto do Super Bowl não foi entre Seahawks e Patriots. Foi entre o jogo que ele desenvolveu, o Game of War: Fire Age, e seu competidor mais famoso, Clash of Clans. Consolidadamente entre os 5 apps mais rentáveis do mundo, o Game of War tem arrecadado mais de US$1 milhão bruto por dia, de acordo com o Think Gaming, o dobro do que conseguia na última primavera no hemisfério norte
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Mas mesmo com essa cifra, o Game of War fica persistentemente a reboque do Clash of Clans, do Supercell. Então, naquele domingo no início de fevereiro, os dois jogos realmente entraram em uma batalha via mídia. Ambos estavam armados. O Clash of Clans levou uma espada: Liam Neeson, com um riff afiado e cheio de ironia e um viciado em seus duelos fantásticos. Leydon levou uma bomba nuclear: Kate Upton. Ela emergiu de um tipo de tubo medieval, e, usando uma armadura em câmera-lenta, submergiu em meio a monstros e cavaleiros.
Críticos debocharam da performance de Upton, naturalmente, mas no mundo real, o Game of War trucidou seu inimigo. Nas horas que sucederam o Superbowl, o game móvel ultrapassou seu rival em rankings medidos pela App Store da Apple. Isso é exatamente o que Laydon esperava quando a companhia que ele criou e administra, a Machine Zone, gastou US$ 4 milhões em uma campanha de 4 meses com Upton como sua porta-voz.
Juntamente com um terceiro jogo, o UCool’s Heroes Chargem que também comprou um espaço, o Super Bowl era uma festa para games multiplayer para iOS e Android. Diferentemente dos jogos de consoles como o PlayStation ou o Xbox, games móveis podem parecer inferiores, com gráficos que aparentam ser mais baratos e sem uma história muito elaborada. Eles estão, entretanto, começando a dominar o mercado do entretenimento.
Em Clash of Clans e praticamente todos os outros jogos móveis multiplayer, os confrontos e batalhas são de um contra um. Mas no Game of War o combate é mundial e simultâneo. A deusa Athena saúda jogadores conforme eles constroem cidades, treinam exércitos e formam alianças com outros jogadores, os quais interagem em um grande mapa de reinos e batalhas.
A competição leva à compra de moeda virtual dentro do jogo, fornecendo aos jogadores a possibilidade de construir mais rápido, tornando-os candidatos mais atrativos a alianças. E essas alianças – além da possibilidade de jogar não com dúzias, mas milhares de pessoas mundialmente em tempo real – o Game of Wars conseguiu devotos.
Essas compras são o cerne dos negócios “free-to-play”, nos quais os jogos são gratuitos na esperança de que seus devotos que jogam para vencer subsidiem toda a empresa. Como altos apostadores em cassinos, esses jogadores são conhecidos como “baleias”. Em um caso reportado pelo Het Nieuwsblad na Bélgica, um menino de 15 anos de idade gastou €37.000 em compras dentro do app com o cartão de crédito de sua mãe.
Essas compras internas explicam a receita de US$ 1 milhão ou mais todos os dias. No último verão no hemisfério norte, o Wall Street Journal escreveu que o Machine Zone deveria arrecadar mais de US$ 600 milhões em 2014, um número que Leydon não confirmou nem negou. O mesmo artigo disse que ele estava em conversas com o JPMorgan Chase sobre angariar uma valoração de mais de US$ 3 bilhões, o mesmo que a valoração alcançada pela Supercell com fundos do SoftBank.
“Culturalmente, é chocante para as pessoas”, diz Leydon. “Eles dizem que não é apenas um aplicativo. Eles não entendem a escala do que está acontecendo aqui na indústria, porque é como uma mudança de águas”. De fato, aqueles que jogam diretamente são 29% da audiência total de jogos, mais que três vezes o tamanho do grupo que é considerado o de jogadores “hard-core” de consoles, de acordo com um estudo de marketing lançado pelo NPD Group. As vendas de consoles e softwares têm caído todos os anos desde 2008, disse Michael Pachter, um analista de jogos da Wedbush Securities. Na visão de Leydon, a batalha de Upton contra Neeson foi apenas o início. “No próximo Super Bowl”, ele diz, “você deve ver 10 anúncios”.
A Machine Zone tem 300 funcionários, a maioria em Palo Alto. Sentados em uma longa mesa de conferências, Leydon parece satisfeito após noites de 3 horas de sono, trabalhando com muito empenho e vestindo o moletom tradicional de Zuckerberg. O escritório é do tamanho de um armazém, e em uma alcova diminuta, Leydon guardou uma relíquia de seu passado. É um game de tiros arcaico, de 2007, operado por moedas, chamado America’s Army. Leydon cresceu no Vale do Silício, gastando todo o tempo que não estava em cima de seu skate em galerias de videogames. Após um desvio na rota em uma faculdade de engenharia do som, ele começou a desenhar jogos para a Atari, Tsunami Visual Technologies e outras.
O America’s Army foi uma adaptação do software que o exército norte-americano usado como marketing de recrutamento. Leydon passou um ano e meio desenvolvendo o produto para a fabricante de games Global VR. Pouco antes de terminado, os fundadores do YouTube venderam sua companhia por US$ 1,65 bilhões. “Foi maravilhoso”, ele diz, balançando a cabeça. “Dois caras jovens. Eles trabalharam nisso por, digamos, um ano e meio. Eu estava tipo, ‘isso é engenharia, e o que eu estou fazendo é engenharia. Qual a diferença entre o que eu estou fazendo e o que eles estão fazendo?’”
Leydon abandonou o mundo árcade, que estava morrendo de qualquer maneira, ainda que se apegasse a uma habilidade relacionada a esse universo: a de desenhar jogos que persuadam pessoas a gastar dinheiro para continuar jogando.
Ele foi um dos primeiros a enxergar o potencial do smartphone de ser um supermercado virtual de bolso, mas ele precisou falhar algumas vezes antes de realmente chegar lá. Na época – entre 2007 e 2008 – os aplicativos de Facebook estavam começando a surgir.
Com seus parceiros Mike Sherrill e Halbert Nakagawa, Leydon começou uma companhia chamada Addmired. “Nós estácamos com um certo medo de competir com o Facebook”, ele diz. “A Zynga tinha 300 pessoas, nós éramos em três”. Então os primeiros apps da empresa estavam no MySpace, entre eles um precursor do Instagram chamado Assable. Era popular, mas não-lucrativo; Leydon percebeu que as fotos eram secundárias no aspecto social, e a parte mais viral do app era “como ele se tornava uma sala de bate-papo”. Mas os parceiros mal estavam sobrevivendo. A cama do co-fundador da companhia ficava logo ao meu lado, e eu tinha uma cadeira de 15 dólares que acabava com as minhas costas”.
Em 2008, a Addmired usou alguns milhares de dólares de dinheiro arrecadado para começar a trabalhar no que é comumente reconhecido como o primeiro app free-to-play para iPhone, um jogo baseado principalmente em texto chamado iMob, que foi construído em três meses.
Ainda não existia o modelo de compras dentro do app. Em vez disso, Leydon distribuiu uma versão, esperando que jogadores o suficiente se interessassem e comprassem a versão paga que desbloqueava uma moeda virtual. “Nós terminamos um mês antes de lançar, porque eu achei que ninguém ia querer jogar”. Quando o app finalmente foi lançado, ele funcionava um pouco bem demais: centenas de milhares de pessoas baixaram. “No primeiro dia, nós não conseguíamos acreditar no que estava acontecendo. No segundo dia, era chocante. No terceiro dia, nada deu certo”.
O sistema deu pane. “Nós não estávamos dormindo”, Leydon diz. “Nós fizemos todo o possível para manter o game por dois ou três meses”. Todo o dinheiro que a Addmired arrecadara foi embora, gasto com pessoas contratadas para prevenir panes. “Nós fizemos tantas coisas erradas, simplesmente por ignorância de como lidar com jogos online, que resolver o problema meio que se tornou uma missão da companhia, para garantir que não passaríamos por isso novamente”.
Leydon então reconheceu que o futuro dos games móveis não estava em games com gráficos estilizados como os de consoles. “As pessoas estavam tentando levar jogos de consoles para o iPhone”, ele diz. “Mas é diferente. Se seu jogo só tem a ver com gráficos, ele não vai funcionar”.
Ele percebeu que smartphones demandavam pequenos estalos de atenção; algumas pessoas olham para seus telefones cem vezes por dia. “Elas buscam por algo para fazer. Elas querem preencher seu tempo. E elas ficam pulando de app em app”. Um jogo bem-sucedido é aquele que permite que seus jogadores tomem decisões rápidas e dessa forma não consigam resistir e voltem outras vezes para checar quais foram as consequências dessas decisões.
A popularidade do iMob e outros apps – e o vislumbre de sucesso que a Addmired viu após a abertura da App Store em 2008 – chamou a atenção de Leydon. A companhia, renomeada Machine Zone em 2012, levantou US$ 13 milhões da MEnlo Ventures, Anthos Capital, Baseline Ventures e outras fontes para começar a desenvolver o que se tornaria o Game of War: Fire Age. “O que estamos fazendo”, ele disse então, “é criar uma experiência mais social e envolver um jogo em torno disso”. Foi preciso uma equipe de 80 pessoas e 19 meses para construir o app. Leydon esperou mais nove meses de testes e cinco de versão beta antes de lançar o app.
Para permitir as alianças dentro do aplicativo, a ferramenta de chat deveria ser sofisticada. No meio do desenvolvimento, Leydon decidiu que faria sentido se todos os jogadores falassem a mesma linguagem. Ele desenvolveu, então, uma plataforma que inclui um sistema de tradução baseado não apenas no Google Translate, mas também em crowdsourcing. No jogo, as mensagens, comentários e notificações são traduzidas com cerca de 70% de acerto. Entre no jogo em polonês e tudo o que você vai ler também será em polonês. Os jogadores corrigem quaisquer erros que encontrem no que lerem. Desde o início, o jogador médio corrige cerca de 10 palavras e expressões erradas por dia.
Para Leydon, essa ferramenta de tradução não se compara com a outra inovação do jogo. O app acomoda cerca de 3 milhões de usuários simultaneamente, com um tempo de resposta de 0,2 segundos, de acordo com os cálculos da companhia. A única coisa remotamente próxima disso seria o Eve Online, o ambiente virtual para PC que tem centenas de milhares de assinantes em servidores separados chamados shards, que podem manter abas abertas em tudo o que cada jogador está fazendo ao mesmo tempo.
Porque o Eve abriga um máximo de cerca de 65.000 pessoas por partida, o Machine Zone abandonou esse modelo imediatamente. “O Game of War é baseado em um modelo do tipo relógio, onde o jogo não precisa saber onde as pessoas estão. Ele pode processar pensagens muito rapidamente, permitindo sincronia com delay muito pequeno”.
Isso significa que não há atrasos, não há barreira de linguagem e tecnicamente não há limite de usuários jogando ao mesmo tempo. “É mais parecido com uma rede social do que um vídeo game”. Para Leydon, “é o maior aplicativo de interação simultânea já feito. Não há nada próximo disso”.
O Game of War está crescendo juntamente com a audiência apelidada de “avid omni gamers”, pessoas que jogam tanto no telefone como no tablete e são mais propensas a gastar com compras dentro do app.O segmento cresceu 6%, para uma porção de 22% da audiência geral, de acordo com um estudo feito pelo NPD Group. O jogador médio de Game of War passa duas horas por dia no jogo, em sessões de 12 minutos, por dia.
Mesmo algumas das pessoas que não gostam do jogo – mais de um entrevistado achou as regras incompreensíveis e o apelo comercial excessivo – apreciam a sua riqueza de detalhes para a pequena porcentagem de usuários dispostos a imergir na experiência. “A parte interessante da Machine Zone está no espaço mobile de jogo. Eles são um ótimo produto de nicho em comparação com o Candy Crush Saga ou mesmo Clash of Clans”, disse Patrick Walker, da companhia de pesquisa de marketing EEDAR. “Mas o jogo em si é uma dessas relações intensas com alianças e divisão de bens. Não é como jogar um jogo de atirar ou um de esportes. As pessoas interessadas estão mais dispostas a passar tempo entendendo essas regras complexas”.
“Eu vejo o Game of War como um produto de nicho”, diz Leydon. “Eu não preciso que todas as pessoas no mundo gostem dele. É apenas uma regra free-to-play, porque apenas 3% das pessoas realmente paga para jogar”. Isso significa que das dezenas de milhares de novos downloads que o jogo teve no dominfo do Super Bowl, Leydon precisa apenas de alguns milhares de jogadores que se tornarão consumidores.
Mais jogos de construção de impérios estão chegando no mercado free-to-play. A Zynga, criadora do Farmville, tem um novo jogo chamado Dawn of Titans a ser lançado esse ano. Enquanto isso, Leydon pretende focar no que sua rede de tecnologia pode conseguir do lado de fora do mundo dos games. Ele diz que dúzias de companhias pediram para licenciar a ferramenta de tradução da Machine Zone. Seus aplicativos, ele diz se expandem para além dos games, para finanças, logística, rede social e análise de dados.
“Nós somos uma empresa de tecnologia, não exatamente de jogos. O que nós conquistamos aqui é para onde estamos indo agora. Conseguir que essa quantidade de aparelhos participem da mesma experiência – essa vai ser a parte mais importante do negócio”.